A inveja que mata
“Donde vêm as guerras e contendas entre vós? Porventura não vêm disto, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais e nada tendes; logo matais. Invejais, e não podeis alcançar; logo combateis e fazeis guerras. Nada tendes, porque não pedis.” (Tiago 4:1-2).
A inveja é um
sentimento que leva ao invejoso a idéia de que o bem alheio é considerado um
mal próprio. A inveja provém de olharmos o bem do outro e ver que não
possuímos, formando um sentimento de inferioridade, incapacidade, deixando-nos
menores perante o sucesso alheio.
O coração que se
contamina com a inveja vai se tornando amargo, inconformado, revoltado com o
que não possui, o que leva à frustração, travando uma competição paranóica com
o outro, a ponto de chegar a odiar e até desejar o mal ao invejado. O ser
invejoso não se convence da própria mazela, a satisfação dele é ver o outro
triste, aniquilado, arrasado e amargurado com as derrotas. Infelizmente, este
estado de consciência leva o indivíduo à depressão, ao desânimo, a perder o
sentido da vida, que passa a ser vista somente pelo ângulo daquilo que não se
tem, de modo que o invejoso é um eterno descontente com tudo e com todos.
A inveja tem por
características o desejo por atributos, posses, status, habilidades de outra
pessoa. Não é necessariamente associada a um objeto: sua característica mais
típica é a comparação desfavorável do status de uma pessoa em relação à outra.
O ser em posse da
inveja vive desconfiado, como se estivesse numa espécie de estimulante ou droga
que penetra a consciência, mesmo que venhamos a imitar o desenvolvimento ou a
capacidade do outro, porque achamos positivo, caímos na essência da mesma que é
a comparação, e a cada ato de comparação nos afastamos ou aniquilamos a nossa
própria realidade, destruindo tudo aquilo que tínhamos formado a nosso
respeito.
A inveja é como uma
árvore que tem raízes e frutos. A raiz da inveja é a vanglória, e seus frutos
são a maledicência, que consiste em falar mal dos outros e difamar a vida
alheia, e a insatisfação constante, pois o invejoso acha que a felicidade está
sempre “na casa do vizinho” e é, assim, incapaz de se satisfazer com aquilo que
tem.
Conforme São Tomás
de Aquino, a inveja tem a sua raiz no orgulho. A vanglória é o desejo de se
destacar em função do brilho e não do bem em si mesmo, do sucesso ou o bem
alcançado, de modo que o sucesso passa a ser a meta de vida, a ponto de se
fazer qualquer coisa para alcançá-lo. Não que o sucesso seja ruim, ele é bom,
mas não se pode viver em função dele, ou seja, nossa felicidade não está em
função do sucesso ou dos bens e, sim, em função de nossa comunhão com Deus.
O grande Santo
Agostinho dizia que “a inveja é o pecado diabólico por excelência”. E se
referia a ela como “o caruncho da alma, que tudo rói e reduz a pó”. A inveja é
amiga daquele que não suporta a felicidade dos outros, e que não se conforma em
ver alguém realizado, melhor do que ele mesmo. Fica torcendo pelo mal do outro
e, quando este fracassa, diz no seu interior: “bem feito!”.
Vemos acontecimentos
que ocorrem na humanidade sobre a inveja, a história dos irmãos Caim e Abel, no
qual Caim matou o seu irmão Abel por inveja (Cf. Gen. 4). Também por causa da
inveja os filhos do patriarca Jacó venderam o seu filho caçula, José,
para os mercadores do Egito. Também por causa da inveja, vimos o rei Saul odiar
a Davi e caçá-lo como se fosse um animal a ser morto. (Cf. 1Sm 18,8;19,1.)
As escrituras
sagradas nos relatam, por causa da inveja, a morte de Jesus. O evangelista São
Mateus deixa claro: “Pilatos dirigiu-se ao povo reunido: “Qual quereis que eu
vos solte: Barrabás ou Jesus, que se chama Cristo?” Ele sabia que tinham
entregado Jesus por inveja” (Mateus 27, 18).
Santo Agostinho fala
sobre a gravidade da inveja: “Terrível mal da alma, vírus da mente e fulminante
corrosivo do coração, é invejar os dons de Deus que o irmão possui, sentir-se
desafortunado por causa da fortuna dos outros, atormentar-se com o êxito dos
demais, cometer um crime no segredo do coração, entregando o espírito e os
sentidos à tortura da ansiedade; destroçar-se com a própria fúria!”
O apóstolo Paulo de
Tarso, em sua carta a Tito, dizia: “Porque também nós outrora éramos
insensatos, rebeldes, vivendo na malícia e na inveja”. Essa embriaguez da
inveja consiste justamente na incapacidade de perceber que este sentimento nos
leva a uma vida infeliz, solitária e amarga, por mais que tenhamos nunca
teremos tudo, ou seja, sempre haverá algo a que invejar.
O psicólogo Alfred
Adler diz que “A mais grave contradição é que a pessoa que mais sente a inveja
é justamente aquele tipo de personalidade que mais poderia desfrutar o prazer
ou sucesso pessoal, deslocando sua fonte de satisfação e crescimento para o
inferno de ter de observar ou medir o que o outro obteve primeiro. Neste ponto
podemos afirmar que o amor sempre invejou qualquer tipo de vício, pois este último
possui uma capacidade de impregnação na alma humana além de qualquer outro
sentimento positivo. É só refletirmos para o problema das drogas ou da
violência, que não demoraremos a perceber a veracidade de tal conceito. Há
muito que não sabemos o que fazer com nosso lado íntimo e pessoal, sendo
inevitáveis os desastres na história de nossa afetividade. Podemos até ser
treinados para a convivência de determinada limitação causada por doença
física; mas as sequelas psicológicas de infelicidades passadas são tabus na
compreensão total sobre o que nos tornamos após todas as experiências vividas”.
Segundo o psiquiatra suíço, Carl Gustav
Jung (1875-1961), todas as faces escuras, ameaçadoras e indesejáveis da
personalidade são chamadas de sombra: “Reconhecer e aceitar seu lado sombrio é
o primeiro passo para ter equilíbrio emocional e melhorar a qualidade de todas
as relações. A sombra faz parte de nosso inconsciente e, se não for encarada,
dominará todas as ações, nos rouba a tranquilidade para aceitar os ciclos da
vida, nos tira a beleza, o ânimo e, o pior de tudo, a capacidade de amar, que é
justamente o mais iluminado dos sentimentos”.
Sigmund Freud diz
que “A inveja jamais nos dará trégua ou férias acerca de uma autoestima
precária que conquistamos; sendo uma “espada dilacerante” que corta nossa alma
quando lembramos dos grandes desejos irrealizados, mas que nosso “vizinho”
talvez os tenha obtido. Temos um vício quase que perpétuo de achar que o
fracasso apenas é reservado para nossa pessoa. Isto se agrava pela hipocrisia
social e pelo fato das pessoas a cada dia estarem mais treinadas na arte da
dissimulação ou disfarce de sua real condição”.
Ninguém no mundo filosófico analisou
sobre a inveja melhor do que o filósofo Nietzsche, colocando a inveja como
categoria descritiva. Quando ele comenta sobre o “fraco”, “escravo” ou
“doente”, antes de estes indivíduos serem só ressentidos, são invejosos,
corroídos com um tacão no peito, que o sangra dia após noite: a inveja.
Ele dizia que o invejoso não
aparece. Ele se esconde, é sorrateiro, resguardado pelo seu nome que é uma
capa, pois ninguém sabe quem é ele. O nome de alguém que nada fez é um nome que
vale como uma máscara de ladrão. Pode usar o nome, mas o nome não diz nada. É
assim que o invejoso, o “fraco” de Nietzsche, age rotineiramente: ele é como o
inseto, também um exemplo nietzschiano, que muda de cor para se parecer com a
paisagem. A covardia e a inveja são irmãs.
Uma equipe de
cientistas japoneses conseguiu identificar a região do cérebro que controla o
sentimento de inveja. A descoberta poderá ajudar os profissionais da área de
saúde a lidar melhor com pessoas que sofrem do problema.
“A inveja pode levar
uma pessoa a praticar um ato destrutivo e até criminoso, para conseguir o que
deseja”, disse Hidehiko Takahashi, 37 anos, pesquisador-chefe do Departamento
de Neuroimagem Molecular do Instituto Nacional de Ciência Radiológica. A
pesquisa, que durou um ano e meio, estudou o comportamento de 19 pessoas em
boas condições de saúde. Durante os experimentos, eles tiveram os cérebros
monitorados por aparelhos de ressonância magnética.
Explicou Takahashi:
“Antes de monitorarmos as atividades cerebrais, pedíamos aos participantes para
se imaginarem integralmente nas situações descritas, como se fossem reais e
estivessem acontecendo com eles”. Disse Takahashi que as pessoas eram induzidas
a imaginar um cenário que envolvia outras três personagens, duas delas seriam
hipoteticamente mais capazes e inteligentes do que os voluntários da pesquisa.
Quando os voluntários sentiam inveja, a parte do córtex dorsal anterior do
cérebro era ativada. “Pessoas muito invejosas tendem a ter uma grande atividade
nessa região do cérebro, que é responsável pela dor física e também é associada
à dor mental”, contou o pesquisador.
Segundo os
especialistas, isto indica que as pessoas invejosas sentem mais prazer com a
desgraça alheia. O resultado da pesquisa foi publicado na última edição do American
Journal of Science.
Por isso, diz o iluminado Buda: Se
julgarmos os outros, isso cria em nós emoções negativas como a cólera, o ódio,
a inveja, e isso entrava nossa saúde física e psíquica. A agitação mental
causada por nossos julgamentos pode mesmo nos fazer perder o sono e nos fazer
viver, sem cessar, sob tensão. Respeitar os outros como eles são é o que existe
de mais salutar para nosso corpo e para nosso espírito. É a própria essência do
Mahayana: “Considero todos os seres vivos mais preciosos que as mais preciosas
pérolas. Possa eu por todo o tempo cuidar deles, e isso me levará ao objetivo”.
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